POR QUE ALGUMAS PESSOAS ESCREVEM AFRIKA COM UM K¿ (AFRIKA X ÁFRICA)

 

Texto traduzido e expandido como parte das discussões do grupo Afrocêntricas
http://www.informafrica.com/information/why-do-some-people-spell-africa-with-a-k-afrika-vs-africa/


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Beatriz Nascimento. O conceito de quilombo e a resistência cultural negra; Filme Orí https://www.4shared.com/video/5j7CEwNkee/Ori_1988_Beatriz_Nascimento.html

Marimba Ani – Yurugu; https://estahorareall.wordpress.com/category/marimba-ani/

A Visão de Mundo Africana https://www.youtube.com/watch?v=zEpavqcubyo

            Lélia Gonzalez. Primavera para as rosas Negras. http://blogueirasnegras.org/2017/02/03/lelia-gonzalez-e-o-portugues-afro-brasileiro-como-ato-politico-e-de-resistencia/


POR QUE ALGUMAS PESSOAS ESCREVEM AFRIKA COM UM K¿ (AFRIKA X ÁFRICA)

Primeiro e mais importante, a forma original de nomear o continente fundado Preto e maravilhosamente é "Afrika" com um "K". Contudo, após a invasão do continente e a escravização de povos por séculos pelos ladrões dos impérios coloniais do mundo ocidental, um novo nome foi dado ao continente Preto, e esse nome é conhecido hoje como "África" com "c".

Para muitos Afrikanos e Afrikanas, e especialmente ativistas Afrikanas, a nomeação de África com "K" simboliza nossa luta e tentativa de voltarmos novamente à unidade, paz e amor - em direção à reconstrução do continente e nossa mentalidade para o melhor. Em outras palavras, retornar nossa glória original (ancestral) - vivendo em mais harmonia antes da invasão dos ladrões coloniais de nossa terra, colonização e dispersão através da diáspora.

Aqui a definição ou explicação para escrever Afrika com "K" ser melhor do que com "c" de [acordo com] Sundiata Acoli's “New Afrikan Prision Struggle”:

"Nós do Movimento Novos Afrikanos Independentes escrevemos \"Afrikanos"\ com um \"K"\ porque as línguas Afrikanas usavam originalmente o \"K"\ para indicar o som do \"c"\ na língua inglesa. Nós usamos o termo \"Novo Afrikano"\ em vez de Preto, para nos definir como um povo Afrikano que foi forçadamente transportado para uma nova terra e lá formou uma \"Nova Nação Afrikana"\ na américa do norte”.

Pesquise Assata Shakur Speak Forum

http://www.assatashakur.org/forum/open-forum/25968-african-vs-afrikan.html

 

Abaixo estão outras razões coletadas na internet do por que algumas pessoas e organizações escolherem escrever Afrika com "K"

'Escrevendo Afrika com "K" é um uso melhor do que com "c" porque para muitas ativistas o "K" representa um reconhecimento de que África não é o verdadeiro nome do vasto continente. Quando alguém fala de Afrika, elas/es estão trazendo um ponto de vista afrocentrado.

Sendo assim, a Afrika escrita com "K" representa uma diferente redefinição e potencialidade de Afrika, e também simboliza a volta conjunta de uma rede mundial de povos Afrikanos.

Fique entendido que quando alguém fala de Afrika e quando a mente branca pensa de "África", eles partem de dois pontos de vista diferentes. Um ponto apoia a matriz (ethos) Afrikana, enquanto o outro apoia a matriz (ethos) europeia".

Nas palavras do honorário Marcus Moziah Garvey. Procure "Dreadedpower" http://dreadedpower.wordpress.com/2009/06/21/afrika-vs-africa/

 

Aqui está uma explicação histórica para nomear Afrika com "K":

    "Porque falamos Afrika com "K": antes da chegada dos europeus kkkolonialistas, Afrika era originalmente escrita com "K". U continente deriva seu nome de um mano que foi imperador de um antigo império há mais de 15 mil anos atrás. Imperador Tirus Afrik é também responsável por colocar a bandeira vermelha, preta e verde sobre todo continente, assim foi como o continente foi nomeado depois dele. Isso foi até a chegada do general italiano Scipio Africanus que conquistou Afrika para os italianos muitos séculos depois, que u "K" foi substituído pela letra "c". Então Nossa escrita Afrika com "K" representa Nossa consciência de Nós mesmas/os e Nosso desenvolvimento social como pôvvo, e Nosso desejo consciente de nos unirmos novamente como um só pôvvo, uma Nação, com um destino; com uma bandeira: vermelha, preta e verde¡"

Lene Pantawapirom:

(http://home4.inet.tele.dk/lepan/lene/indiana/jun00.htm)

 

 

O Centro Pan-Afrikano da Faculdade de Augsburg também explica a razão para escrever Afrika com "K":

    "PAN-AFRIKANISMO é o movimento para alcançar solidariedade e unificação do povo Afrikano que foi historicamente separado e oprimido pelo imperialismo, racismo, colonialismo, e comércio escravista. Essa costuma ser a abordagem intelectual para o discurso social, político, e econômico diante das condições do povo Afrikano em todas as partes da diáspora.

A DIÁSPORA se refere às áreas (incluindo o continente) onde o povo Afrikano foi disperso, principalmente pela força colonial europeia. Escrevendo AFRIKA com "K" é um símbolo de autodefinição”.

Pesquise Faculdade Augsburg (Centro Pan-Afrikano).

De acordo com o poeta e escritor Afrikano-americano Haki Madhbuti no [texto] dele "Do plano ao planeta" (1973), lá estão basicamente quatro razões para escrever Afrika com "K". As seguintes quatro razões foram publicadas pelo Dr. Kwame Nantambu alguns anos depois, um prof. Associado, Dep. de Estudos Pan-Africanos, kent state university, u.s.a.

As quatro razões são:

1. Mais comuns (vernacular) e tradicionais línguas no continente escrevem Afrika com K. K é alemão para Afrika.

2. Europeus, particularmente portugueses e britânicos poluíram as línguas Afrikanas pelo substituto "c" sempre que eles falam ou ouvem o som de "K" como em Kongo e Congo, Akkra e Accara, Konakri e Conakry B pelo substituto Q sempre que eles veem KW. Nenhuma língua europeia fora holandês e alemão tem dificuldade com o som do "c". Portanto, vemos no holandês na... Azania... falando e nomeando eles/as mesmas de Afrikanos/as.

Nós não estamos certos da origem do nome Afrika, mas nós temos certeza que o nome escrito com "c" passou a ser usado quando Afrikanos estavam dispersos pelo mundo. Lá o "K" simboliza nosso retorno à unidade novamente.

3. O "K" simboliza um tipo de língua Afrikana sendo usada ao longo de palavras e frases como Gabari Gani, Osagyfo, Uhuru,... Asante..., juntas constituindo uma linguagem política, apesar de vir de mais de uma língua Afrikana.

4. Enquanto as línguas Afrikanas forem traduzidas para o inglês, etc o alfabeto europeu será usado. Este é o problema.

 A letra "K" como letra "c", é parte daquele alfabeto, e em algum ponto está totalmente descontinuado com o nome original usado de Afrika. O fato que bôeres (camponeses) na... Azania... também usarem o "K", como em Afrikanos para representar o difícil som do "c" demonstra um dos confinamentos do alfabeto. Azania... é originalmente o nome para... Afrika do Sul.

   Espero que esta informação explique porque algumas pessoas escrevem Afrika com um K.

InformAfrica gostaria de declarar que independentemente de como os afrikanos de hoje escolham nomear nossa mãeterra, o que é mais importante é nossa mentalidade. Uma mentalidade Afrikana sobreposta a uma mentalidade europeia - em todo lugar, a todo momento.

Fale para a InformAfrica.com: você prefere escrever o nome do continente do povo Preto Afrika ou África? E por que?

[Fim da tradução].

 

Segue nossa colaboração com o tema

Ao escrever Afrika com K estamos demonstrando de onde parte a nossa visão de mundo. Para além da letra, o K é uma importante conexão com o continente Preto, seus povos e suas ciências e filosofias.

No Kemet antigo, a força Ka representava a vitalidade e o grande portador era o Rei Faraó. A manutenção da unidade cósmica e consequentemente da vida natural era a garantia de boas colheitas e da continuidade da sociedade, da civilização. Essa perspectiva coletiva é uma das marcas dos povos afrikanos. Como afirma Nah Dove no texto "Definindo uma Matriz Materno-Centrada para Definir a Condição das Mulheres":

    "O rei Africano era distinguido do rei do norte por sua essência divina e pelo caráter vitalista de suas funções. Um deles era homem sacerdote, o outro era um deus-sacerdote entre os vivos" (Diop, 1959/1990, p. 140). O rei tinha o poder de trazer boas colheitas, de fato ele era esperado para garantir a ordem cósmica" (Diop, 1959/1990, p. 334). O rei portava a força ka da nação e essa força era a solidariedade coletiva do povo" (Asante, 2000, p. 64).

(...)

O ka é conhecido como uma força vital, uma energia de vida associada ao espírito”.

Resgatar essa referência é reconhecer o Povo Preto como construtor da maior civilização da História e que foi a fonte de todas as outras civilizações do mundo. Escrever Afrika com K é uma afirmação da continuidade e unidade existente entre os povos afrikanos do continente e da diáspora. Como relembra Nah Dove citando o Faraó do Conhecimento:

     "A missão de Diop (1974) foi a de reivindicar Kemet à África, através de unir suas características culturais ao resto da África. Ele acreditava que 'a história da África Negra permanecerá suspensa no ar e não pode ser escrita até historiadoras/es africanas/os se atreverem a conectá-la com a história do Egito" (p. xiv).

Neste sentido, o uso da letra "K" para se referir a Afrika é uma forma de conectar a história do nosso Povo Preto no brasil diaspórico com a antiga civilização de Kemet/Egito. Nós da diáspora estamos conectados com o continente afrikano através do oceano atlântico. Escrever Afrika com K é rejeitar a invasão yurugu e nos reconectarmos com a visão de mundo Afrikana. Essa influência da língua do colonizador pode ser percebida também na palavra quilombo que originalmente era escrita com K - Kilombo. Escolher escrever Kilombo é uma referência à nossa ancestralidade afrikana, um recentramento existencial que busca se orientar pela visão de mundo afrocentrada.

Esse recentramento existencial é realizado pela historiadora e ativista, nascida em sergipe, Beatriz Nascimento em seu texto O conceito de quilombo e a resistência cultural negra”[1], que irá apresentar e contextualizar  historicamente a origem do termo Kilombo e a modificação imposta pela colonização branca.

Sendo assim, ela tem como um de seus objetivos em seus estudos, a exposição de que o kilombo é uma instituição afrikana e possui origem angolana, mas, no brasil os invasores brancos em 1740 a definem ao seu modo, distorcendo completamente a origem do termo e descaracterizando de forma institucionalizada:

A primeira referência a quilombo que surge em documento oficial português data de 1559, mas somente em 1740, em 2 de dezembro, assustadas frente ao recrudescimento dos núcleos de população negra livres do domínio colonial, depois das guerras do nordeste no século XVII, as autoridades portuguesas definem, ao seu modo, o que significa quilombo: “toda a habitação de negros fugidos que passem de cinco, em parte desprovida, ainda que não tenham ranchos levantados nem se achem pilões neles”.[2]

 

Retomemos então, a origem de Kilombo?

De origem angolana, em meados de 1560, tem como característica o nomadismo e formação social, cuja constituição se dá por guerreiros.

O ritual de iniciação baseava-se na prática da circuncisão que expressava o rito de passagem incorporando jovens de várias linhagens na mesma sociedade guerreira. Kilombo aqui recebe o significado de instituição em si. Seria Kilombo os próprios indivíduos ao se incorporarem à sociedade Imbangala. O outro significado estava representado pelo território ou campo de guerra que se denominava jaga. Ainda outro significado para Kilombo dizia respeito ao local, casa sagrada, onde processava- se o ritual de iniciação. O acampamento de escravos fugitivos, assim como quando alguns Imbangalas estavam em comércio negreiro com os portugueses, também era Kilombo.[3]

 

Essa conexão representa a Civilização Atlântica, termo que Beatriz Nascimento destaca justamente para se referir à civilização Afrikana que contrariando a violência racista vai ter sua continuidade e desenvolvimento no brasil diaspórico. Tendo em mente que séculos antes os Povos Pretos já mantinham contato com as terras do outro lado do Atlântico, as invasões brancas foram e são tentativas de destruir as civilizações Afrikanas.

Dessa forma, chamamos atenção para mais uma violência praticada pelos europoides quando também impõe uma colonização linguística. Modificar a língua de um povo é também a forma de desconstruir a sua identidade. E a alteração da grafia, também faz parte deste processo violento. Pois, quando alteramos a grafia de algum termo, estamos modificando a sua definição e consequentemente, estamos alterando a forma de pensarmos sobre este. Com isso, podemos perceber que um dos papeis no processo de colonização linguística é o de fomentar uma descaracterização identitária, de forma a impor ideias e valores sem contestação.

E que visão de mundo encontraríamos nesta Afrika, escrita cm K? E que unidade seria, a procurada pelos povos que negam a escrita de África com “C”? Como muito bem nos mostra a Marimba Ani, a visão de mundo afrikana é nitidamente diferente da visão de mundo eurocêntrica, e consequentemente, ocidental. E como podemos perceber, além de mudar a grafia, estes, alteram simultaneamente o sentido do “Ser” afrikano. Ou seja, o que parece ser uma mudança sem significado, tem em si, uma série de implicações.

Uma delas é o sentido de visão de mundo verdadeiramente afrikana. Este Ser no mundo afrikano, vai além do eu, e traz para si, uma conectividade. Uma conectividade com a natureza, pois o conceito afrikano do universo é de totalidade espiritual. Ela define o Ser espiritual, como sendo aquele que se compreende conectado com as forças da natureza, onde a relação de espírito e matéria é de conexão. Onde a realidade material é entendida como a manifestação do espírito.

E contrapondo a isso, vem a ideia europeia de visão de mundo, onde os seres humanos se tornam indivíduos distintos e separados. Assim todo conhecimento só é possível quando existe uma separação entre o indivíduo e a matéria, ou seja, tiram-nos a conectividade, e criam o “objetivo ou objeto” (este não possui em si, nem sentimento, significado e espírito). O objeto seria entendido a partir da separação do Eu com o Universo, onde somente a razão seria capaz de entender o Universo. Ela cita Descartes em sua célebre frase “penso, logo existo”, ou seja, para o ocidente, só é possível conhecer através da razão.

Se aceitado a concepção brancóide, o Eu não teria nenhuma relação com o universo. Essa separação realizada é importante para a criação do objeto, e este objeto, pode ser controlado. Para se obter conhecimento, você precisa ser independente. A separação do sentimento, de conexão, te deu um controle sobre o objeto.

Em outro contraponto com a forma de conhecer eurocêntrica, ela nos traz a concepção afrikana, onde o “conhecimento se estabelece através de uma conexão entre o pensar e sentir”. Desta forma, se obtém o conhecimento intuitivo das coisas, o universo estaria em nós. “Conhece a ti mesmo” é um dos princípios da filosofia afrikana. Então, estudando e conhecendo a si, você conhece o Universo.

Escrever Afrika com K é um convite para reconhecermos o continente afrikano como a História da Humanidade e ao centrarmos nossa existência nele poderemos desenvolver plenamente a nossa própria humanidade. A história da Afrika não começou com o maafa, pelo contrário, ela foi interrompida. Cabe a nós retomarmos nosso equilíbrio afrikano continuando os trabalhos dos Pretos e Pretas que vieram antes e que preservaram e mantiveram viva a nossa ancestralidade.

Lélia Gonzalez nos relembra que o brasil é um país amefrikano e nós falamos o Pretoguês. Afirmar isso é valorizar a grande herança transmitida pelos nossos que, apesar de terem tido suas histórias interrompidas na Afrika, no brasil diaspórico reconstruíram e ressignificaram os reinos e civilizaçãoes afrikanas. Hoje isso é visível nas organizações Pretas como os kilombos, os cultos aos orixás, no poder da Mulher Preta em suas comunidades e também no poder das palavras escrita, falada e cantada, entre muitos outros elementos. Afrika é nosso centro, no continente e na diáspora somos afrikanos.



[1]. Publicado originalmente em: Jornal IDE. No. 12. Sociedade Brasileira de Psicanálise – São Paulo. Dezembro, 1986, p. 8.

[2]. Nascimento, Beatriz. p.119

[3]. Nascimento, Beatriz p. 119

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