Durante o reinado de Psammetichus, quando o exército Egípcio foi maltratado, cerca de 200.000 deles, liderados por seus oficiais, passaram do istmo de Suez para o Sudão Núbio para colocar-se ao serviço do Rei de Núbia. Heródoto relatou que o governante Núbio estabeleceu o inteiro exército em terras que cultivou, e seus elementos foram finalmente assimilados pelo povo Núbio. Isso aconteceu numa época em que a civilização Núbia já tinha vários milênios de idade. Conseqüentemente, nós ficamos espantados quando historiadores tentam usar este fato para explicar a civilização Núbia. Pelo contrário, todos os primeiros estudiosos que estudaram a Núbia, mesmo aqueles a quem devemos a descoberta da arqueologia Núbia (como Cailliaud) concluiram que a Núbia teve a primazia.
Os seus estudos indicam que a civilização Egípcia descendeu daquela da Núbia, em outras palavras, Sudão. Como observa Pédrals, Cailliaud baseia este argumento sobre o fato de que no Egito, todos os objetos de culto (portanto, a essência da tradição sagrada) são Núbios. * [ * - “Antes deixar a Núbia, Eu vou tomar a liberdade de apontar algumas observações capazes de estabelecer a anterioridade de sua civilização para aquela do Egito. Esta questão, ainda sem resposta por documentos históricos, adquire, na minha opinião, muita clareza quando examinamos cuidadosamente os monumentos e produções naturais da Etiópia ou Alta Núbia. Eu não sou tão presunçoso a ponto de pensar que minhas idéias irão eliminar qualquer dúvida sobre um assunto que tem sido a muito tempo controverso; meu único objetivo é inspirar idéias melhores. Eu tenho reportado um grande número de usos antigos que têm continuado na Núbia, mas que não deixaram vestígios no Egito. Não podemos, Eu concordo, tirar disso qualquer prova de que esses usos não nasceram no Egito. Mas se somos capazes de estabelecer que os principais objetos utilizados no culto dos antigos Egípcios eram produtos que pertenciam exclusivamente à Etiópia, alguém será levado a reconhecer que esse culto não foi criado no Egito. É dito justamente que migrações de povos buscando um assentamento seguem rio abaixo. Adotando esta tendência natural não poderíamos nos recusar a concluir que a Etiópia foi habitada antes do Egito. Assim, a Etiópia foi a primeiro a ter leis, artes, escrita, mas estes elementos civilizatórios, ainda brutos e imperfeitos, foram grandemente desenvolvidos no Egito, o que foi favorecido pelo clima, a natureza do solo, e a posição geográfica. No Egito, o cinzel do escultor foi capaz de apresentar de forma mais regular os emblemas das crenças primitivas de seus concidadãos, para decorar aqueles templos, aqueles monumentos que nos surpreendem pela sua solidez imponente, da qual o território de Tebas oferece tão magníficos exemplos. Como vários estudiosos têm escrito, Mr. Jomard entre outros, “as artes aperfeiçoadas no Egito retornaram rio acima. . . . Tal, era, de fato minha opinião, em 1816, ao ver os monumentos da Baixa Núbia, a maioria dos quais são reconhecidos hoje como sendo mais recentes do que os monumentos de Tebas." (Frédérich Cailliaud, Voyage à Méroë, 1836, III, 271 ff.).]
Cailliaud supõe, em seguida, que as raízes da civilização Egípcia estavam na Núbia (Sudão) e que gradualmente desceram o vale do Nilo. Nisto, ele estava apenas redescobrindo ou confirmando até certo ponto, a opinião unânime dos Antigos, filósofos e escritores, que julgaram a anterioridade da Núbia como sendo óbvia.
Diodoro da Sicília relata que a cada ano a estátua de Amon, rei de Tebas, era transportada na direção da Núbia por vários dias e, em seguida, trazida de volta como se para indicar que o deus estava retornando da Núbia. Diodoro também afirma que a civilização Egípcia veio da Núbia, o centro da qual era Meroë. De fato, seguindo dados fornecidos por Diodoro e Heródoto no local desta capital Sudanesa, * Cailliaud (em cerca de 1820) descobriu as ruínas de Meroë: 80 pirâmides, vários templos consagrados a Amon, Ra, e assim por diante. Além disso, citando sacerdotes Egípcios, Heródoto afirmou que dos 300 Faraós Egípcios, desde Menes até a Décima-Sétima Dinastia, 18 deles, ao invés de apenas os três que correspondem à “dinastia” Etíope, eram de origem Sudanesa. [ * - Ibid., III, 165.]
Os Egípcios eles próprios - que devem certamente ser melhor qualificados do que qualquer um para falar da sua origem – reconhecem sem ambiguidade que os seus antepassados vieram da Núbia e do coração da África. A terra da Amam, ou terra dos ancestrais (man = ancestral em Wolof), o inteiro território de Kush a sul do Egito, foi chamado de terra dos deuses pelos Egípcios. Outros fatos, tais como os tornados e chuvas torrenciais mencionados na pirâmide de Unas, fazem alguém pensar nos trópicos, ou seja, o coração da África, como Amélineau observa. . . .
Significativamente, escavações na área da Etiópia antiga revelam documentos dignos do nome somente na Núbia propriamente, e não na Etiópia moderna. Na realidade, é na Núbia que encontramos pirâmides semelhantes àquelas do Egito, templos subterrâneos, e escrita Meroítica, ainda não decifrada, mas intimamente relacionada com a escrita Egípcia. Curiosamente, embora este ponto não seja enfatizado, a escrita Núbia é mais evoluída do que a Egípcia. Enquanto a escrita Egípcia, mesmo em suas fases hierática e demótica, nunca havia eliminado totalmente sua essência hieroglífica, a escrita Núbia é alfabética.
Naturalmente, alguém poderia esperar confiantemente que esforços pudessem ser feitos para rejuvenescer a civilização Núbia e explicar esta através daquela do Egito. Isto é o que o Egiptólogo Americano George Andrew Reisner (1867 - 1942) pensou que tinha realizado em um estudo que abrange pouco mais do que o período da história Núbia da época Assíria, ou do primeiro milênio. Ele alegou que a Núbia foi anteriormente governada por uma dinastia Líbia, a qual as dinastias Pretas meramente prolongaram. Mais uma vez, o mítico Branco criou a civilização e, em seguida, retirou-se milagrosamente, deixando o lugar para os Pretos. Todas as civilizações Negras da África Preta - do Egito, Núbia, Gana, Songai, até o reino do Benin, passando por Ruanda-Burundi, para citar apenas estas - têm sido vítimas dessas tentativas frustrantes gerais, que finalmente, tornam-se tão monótonas quanto um desinteressante rosto que já não provoca nem mesmo um sorriso.
Reisner não poderia ter deixado de saber que a civilização Núbia remonta a 1500 A.C., ou seja, antes do aparecimento do branco Líbio Jafético na África. Consequentemente, o problema não está em procurar Líbios na história Núbia recente, mas em encontrar alguns no início desta civilização por volta de 5000 A.C. Esta tarefa Reisner foi cuidadoso em não tentar.
Quando Maomé nasceu, a Arábia era uma colônia Negra com Meca como sua capital. O Alcorão refere-se ao exército de 40.000 homens enviados pelo Rei da Etiópia para esmagar a revolta árabe. Uma subdivisão deste exército consistia de guerreiros montados em elefantes. Delafosse, ele próprio, é obrigado a registrar aquela suserania da Etiópia sobre a Arábia:
Se alguém pensa sobre a parte que este império[Etiópia] tem desempenhado nos destinos do Egito antigo, se for lembrado de que à época nascimento de Mohammed (570) este exercia suserania do outro lado do Mar Vermelho, sobre o Iêmen, e que enviou um exército de quase 40.000 homens contra Meca; se alguém considerar a notoriedade extraordinária que o poder do famoso Preste João gozava na Europa durante a Idade Média . . . se é obrigado a supor que uma tal força não poderia deixar de se espalhar entre as pessoas com quem ela entrou em contato. * [ * -Delafosse, The Negroes of Africa, pp. 125-126.]
Cheikh Anta Diop, A origem Africana da civilização. capítulo 7 Argumentos suportando uma origem Negra, páginas 310 a 315.
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