A marcha Kemetica do interior de Afrika até o Delta

 "Assim, com o calendário, o Baixo Egito Impôs a autoridade de Osíris e Ra, a supremacia do Nilo e do sol, sobre o Alto Egito. Os "civilizados do Delta" tinham conquistado o Alto Egito". * [* - Alexandre Moret, Le Nil et la civilisation Égyptienne (O Nilo e Civilização Egípcia), p. 122.]

 Quando alguém encontra tais idéias importantes expressas por uma tal autoridade, alguém tende a acreditar que elas são comprovadas por documentos conclusivos. Isso, no entanto, não é verdade quando nós absolutamente examinamos estas declarações. O autor coloca a origem Nórdica de deuses Egípcios como consistente com a tradição Egípcia. Em outras palavras, Osíris, Isis e Hórus eram, todos, deuses do Delta. A partir disto, ele traça as importantes conseqüências referidas acima, relativas à invenção do calendário e a origem da civilização Egípcia em geral.

 O que, precisamente, somos nós ensinados pela tradição Egípcia, se nós a considerarmos a partir da época mais antiga sobre a qual se pode referir? Essa tradição, expressa no Livro dos Mortos, cuja doutrina é anterior a qualquer história escrita do Egito, ensina-nos que Ísis é uma mulher Negra; Osiris, um homem Negro, um Anu. Assim, nos mais antigos textos Egípcios o seu nome é acompanhado por uma designação étnica para indicar a sua origem Núbia. Isto nós temos conhecido desde Amélineau.

 Amélineau nos informa, ainda, que nenhum texto Egípcio lista Osíris e Ísis como tendo nascido no Delta. 

Consequentemente, quando Moret afirma isto, ele não o faz a partir de qualquer documento. Nós podemos ainda adicionar que a lenda aponta o nascimento de Osíris e Ísis, no Alto Egito: Osíris nasceu em Tebas e Isis em Dendera. A lenda também coloca na Núbia o primeiro local da luta entre Set e Horus. * [ * - Na lenda, Set assassinou seu irmão Osíris. Quando Horus, filho de Ísis e Osíris, cresceu, o fantasma de seu pai apareceu para exigir vingança. Então Hórus e Set lutaram por muitos dias; Ambos ficaram gravemente feridos. Mais tarde, Set atacou Horus nos tribunais como um filho bastardo de Osíris. Thot decidiu o caso em favor de Horus.]

Na Opinião de Amélineau:

As partes da lenda que se relacionam com o Delta foram obviamente adicionadas à versão original, exceto para a permanência de Isis em Buto. De fato, o episódio de Isis em Byblos dificilmente se encaixa com a estadia desta deusa em Buto. Em minha opinião, isto é meramente uma interpretação de origem Grega ou quasi-Grega para explicar a adoção do culto de Osiris em Byblos, ou preferencialmente assemelhando alguma divindade local. Este, aliás, é um dos pontos para os quais os documentos Egípcios nunca referem. Da mesma forma, o caixão de Osíris, trazido pelo Nilo para o mar, e desde o mar até Byblos, parece-me ser uma daquelas impossibilidades óbvias. Eu duvido seriamente que os Egípcios aceitaram isto . . . Porque documentos Egípcios nunca o mencionaram. Nós não devemos esquecer que, com exceção das porções concernindo o Delta e a Ásia Menor, a lenda Osiris foi firmemente estabelecida no Egito antes do tempo de Menes. Por isso, é realmente difícil ver como uma lenda nascida no Delta era quase localizada no Alto Egito e não fez nenhuma referência aparente ao Delta, exceto em algumas passagens que são, claramente, acréscimos posteriores. * [* - Amélineau, Prolegômenos, p. 203.]

 Da mesma forma, se Osíris e Ísis eram nascidos no Baixo Egito, seria difícil de entender como as suas relíquias foram apropriadas por todo o Alto Egito. Todo o esqueleto de Osíris foi tomado por cidades no Alto Egito, tão completamente que nada foi deixado para as cidades do Baixo Egito. Sobre este ponto, Amélineau refere-se ao Dicionário Geográfico de Brugsch. A Rivalidade entre as cidades sobre a atribuição das relíquias causou tanta confusão que à princípio foi difícil determinar qual cidade possuía tal e tal relíquia agora clamada por várias outras cidades. Amélineau sugere ser decidido geralmente em favor do Alto Egito sempre que essa rivalidade oponha cidades do Baixo e Alto Egito: "Eu acredito que um fato inclina a balança a favor do Alto Egito: a atribuição da cabeça de Osíris para o Alto Egito, para a cidade de Abydos." * [ * - Ibid., P. 104.]


 Esse fato não seria significativo se Amélineau não tivesse descoberto o túmulo de Osíris e a cabeça do ancestral divino em uma jarra. Nós podemos duvidar da autenticidade daquela descoberta; no entanto, Amélineau escreve: "Eu próprio tenho encontrado outros santuários durante as escavações preliminares que culminaram na necrópole real, desenterrando o santuário onde o crânio do deus que eu acreditava ter encontrado estava preservado." * [ * - Ibid.]


Em seguida, ele se refere ao papiro no Museu de Leiden, Citado por Brugsch. Este afirma expressamente que a cabeça de deus foi preservada em Abydos, em um local designado no papiro por um nome significando "a necrópolis de Abydos." Amélineau procurou confirmação de Eugène Revillout sobre a validade deste documento escrito em demótico. Ele recebeu a confirmação de que a cabeça de Osiris era de fato mencionada como estando localizada em Abydos. Garantia adicional veio em 1898, no texto geográfico sobre Edfu no Dicionário de Brugsch: "Lá é afirmado que a cabeça do estava no relicário de Abydos." * [* - Ibid., P. 105.]

 Mas Amélineau observou: "Desde que Brugsch o copiou, o texto desapareceu, se se pode acreditar que a publicação no Templo de Edfu inicia nas Memoirs [Memórias] da Missão Cairo . . . Seria interessante verificar que a inscrição desapareceu completamente." * [* - Ibid., P. 106.]

Finalmente, Amélineau registra outro fato significativo: nos Textos das Pirâmides, o trono de Osíris é descrito justamente como Amélineau o "encontrou na cama funeral situada na tumba em Abydos." * [* - Ibid., P. 102.]

Muito justificadamente, Amélineau pergunta: "Por que tem as cidades do Alto Egito reivindicado a parcela mais significativa do corpo de Osíris, se ele nasceu no Delta, reinou no Delta, morreu no Delta, tem sido o deus local de um minúsculo distrito no Delta? Eu não vejo nenhuma razão para isso." * [* - Ibid.]

Tenha ou não Amélineau realmente descoberto a tumba e cabeça de Osíris não é importante. O fato essencial é que os textos afirmam que aqueles se encontram em Abydos.

 Assim, ao contrário da afirmação de Moret, a tradição Egípcia autêntica, tão velha quanto o tempo registrado e escrita nos Textos das Pirâmides e O Livro dos Mortos, ensina-nos em termos inequívocos que as divindades Egípcias pertenciam à raça Preta e nasceram no sul. Além disso, o mito de Osíris e Ísis aponta um traço cultural característico da África Preta: o culto dos ancestrais, a fundação da vida religiosa Negra e da vida religiosa Egípcia, assim como relata Amélineau.

Cada ancestral morto se torna objeto de um culto. Os antepassados mais remotos, cujos ensinamentos na esfera da vida social, isto é, no reino da civilização, têm-se revelado efetivos, gradualmente tornam-se verdadeiros deuses (os ancestrais míticos referido por Lévy-Bruhl). Eles estão totalmente destacados do nível humano, o que não significa que eles nunca existiram. Transformados em deuses, eles são colocados em um plano diferente daquele do herói Grego; isto é o que fez Heródoto pensar que os Egípcios não tinham heróis.* [* - Mam y alla: Deus Ancestral, em wolof. Embora a palavra árabe alla tenha substituído o termo Africano primitivo, esta frase ainda revela o conceito de um deus ancestral.]

 É evidente que o argumento de Moret concernente à invenção do calendário em Memphis é abalado seriamente errado sobre um exame atento. O autor especifica que apenas em Memphis podia-se observar o nascimento helíaco de Sothis. Ele concluiu que o calendário Egípcio, baseado no ciclo daquela estrela (Sirius), cuja ascensão coincidia com a do sol a cada 1.461 anos, foi inventado em Memphis. [* - Moret gostaria de provar que o calendário Egípcio foi inventado em Heliópolis. Registros existentes demonstram o contrário. "Os sacerdotes de Tebas têm a reputação de serem os mais eruditos em astronomia e filosofia. Eles começaram o costume de dizer o tempo [telling time], não segundo a revolução da lua, mas por aquela do sol. Para doze meses de trinta dias cada, eles acrescentam cinco dias por ano. Uma certa fração de um dia ainda é deixada, de modo a mesma a duração do ano, eles formam um período compreendendo um número par de dias : quando as frações extras são adicionadas, elas formam um dia completo.” (Estrabão, Bk. XVII, Cap. 1, n. 22, 816.)

Esta fração (um quarto de um dia) quando adicionada, equivale a um dia, ao final do qual o ano ordinário começa novamente com o ano solar (ciclo Sótico).]

Mas o calendário estava em uso em 4236, a mais antiga data conhecida com certeza na história do homem. Heródoto nos informa, ainda, que "Memphis foi criada por Menes, após o último ter virado o curso do rio e tornado a área enlameada do Baixo Egito mais habitável: Menes, “o primeiro rei, tendo assim, por virando o rio, feito o trato onde ele costumava correr a terra seca, procedeu em primeiro lugar a construir a cidade agora chamada Memphis." (Op. Cit., p. 113.) Por conseguinte, o local de Memphis estava sob a água antes do advento de Menes. Se aceitarmos o ano de 3200 como o ano do advento, aquela cidade nem mesmo existia quando o calendário foi inventado.


Cheikh Anta Diop, A origem Africana da civilização. capítulo 4 Pode a civilização egípcia ter se originado no Delta?, páginas 174 a 181

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