A paleta de Narmer

 

A opinião corrente reconhece, por unanimidade, que os prisioneiros retratados nesta Paleta de Narmer, com os seus narizes aquilinos, representam invasores Asiáticos conquistados e punidos pelo Faraó que, naquela época remota, tinha a sua capital no Alto Egito.

 Esta interpretação é confirmada pelo fato de as pessoas andando adiante do Faraó e pertencendo ao seu exército vitorioso são Núbios, vestindo insígnias Núbias, como o símbolo do Chacal e o Falcão, que nós poderíamos chamar de totens Núbios. Além disso, os dados arqueológicos não suportam a hipótese de uma raça branca originando no coração da África.

A cauda-do-boi levada pelo Faraó nesta Paleta, e que Faraós e sacerdotes Egípcios sempre levaram, é ainda obrigatória em cerimônias e funções oficiais por líderes religiosos Nigerianos. O mesmo é verdadeiro para a roupa usada pelo Faraó; o saco cheio de amuletos em seu peito está sempre presente ao longo de toda a história Egípcia. Ele é encontrado no peito de qualquer chefe Negro que detém uma posição de responsabilidade; em Wolof, ele é chamado dakk.

 O servo está segurando as sandálias do Faraó, idênticas com a voganti dos Negros. Andando atrás do rei e carregando uma chaleira, ele tem a típica atitude do servo Negro moderno, ou bek-neg (comparar com bak, que significa servo em Egípcio). O fato de que o rei retirou as suas sandálias sugere que ele está prestes a realizar um sacrifício em lugar santo, e que ele deve primeiro purificar seus membros com a água na chaleira. Os Egípcios são conhecidos por terem praticado abluções milhares de anos antes do advento do Islã. Assim, a Paleta de Narmer provavelmente retrata uma cena de ritual sacrificial depois de uma vitória. Sacrifícios humanos similares ainda eram praticados na África Preta até tempos muito recentes; No Daomé, por exemplo.

 Acima da vítima, a cena representando Horus segurando o que parece ser um cabo que passa através das narinas de uma cabeça amputada, talvez simbolize estas próprias vidas sacrificadas ao deus, escapando através do nariz das vítimas e sendo aceitas por Horus. Esta idéia está em conformidade com a crença Negra de que a vida escapa através das narinas. Vida e nariz são sinônimos em Wolof e muitas vezes utilizados indistintamente.

 Qual é a identidade racial das pessoas representadas neste lado da Paleta, que Eu considero a frente ao invés de parte de trás, como é geralmente pensado? 

Eu afirmo que todos eles pertencem à mesma raça Preta. O rei tem lábios grossos, até revirados. Seu perfil não pode esconder o fato de que seu nariz é carnudo. Isto é verdade para todas as pessoas neste lado, mesmo os cativos na cena abaixo, que estão fugindo. Estes últimos, como as vítimas prestes a ser imoladas, possuem cabelo artificial, dispostos em camadas ou fileiras, um estilo ainda visto na África Preta. Um penteado semelhante, usados por meninas, é chamado Djimbi; Ligeiramente modificado e usado por mulheres casadas, é chamado o Djéré, que desapareceu da cena Senegalesa a cerca de 15 anos atrás. Muito recentemente, o Islã levou os homens a interromper o costume. Tais penteados não são mais vistos exceto entre os Serer não-Islâmicos antes da circuncisão, e entre os Peul. Uma forma especial destes penteados é chamada Ndjumbal. O Cabelo do rei e aquele de seus servos está oculto por suas boinas; no Egito, o uso de perucas era popular com todas as classes sociais. As boinas do rei ainda são usadas no Senegal por aqueles próximos a serem circuncidados, embora este uso tenda a desaparecer sob o impacto do Islã. Ela [a boina] é feita costurando dois pedaços elípticos de pano branco, com uma extremidade deixada em aberto para a cabeça passar. A armação de bambu dá-lhe a forma de coroa usada pelo faraó do Alto Egito.

Quando esta boina é usada por homens maduros, o quadro de bambu é omitido e a parte oblonga é geralmente menor. Isto produz o que tem sido chamado de a forma do barrete Frígio que os Gregos estavam para transmitir para o mundo Ocidental. Em Dieu d‟eau [Deus de água], Marcel Griaule publicou fotografias destas boinas usadas pelos Dogon.

 Pode ser notado aqui que o rei carrega apenas uma maça [porrete] em sua mão direita; Sua mão esquerda, desarmada, segura a cabeça da vítima. A maça [porrete] pode assim ser considerada como um atributo do Alto Egito, assim como era a coroa branca. O rei estava provavelmente iniciando a conquista do vale do Nilo nesta primeira cena. Este foi talvez o momento quando ele estava sujeitando homens de sua própria raça para a sua dominação.

A parte traseira da Paleta começa com uma cena típica: a vítima conquistada pertence à cidade dos "Abomináveis", como indicado pelo hieróglifo apontado por Amélineau. A cidade fortificada era, provavelmente, uma cidade no Baixo Egito, habitada por uma raça claramente diferente da raça Preta no outro lado: uma raça Asiática branca. O cabelo dos cativos é longo e natural, sem camadas; os narizes excepcionalmente longos e aquilinos; os lábios bastante indistintos. Em suma, todas as características étnicas da raça na parte de trás são diametralmente opostas às da raça na frente. Nós não podemos superenfatizar o fato de que apenas a raça na parte de trás tem características Semitas.

 Após esta segunda vitória, a unificação do Alto e Baixo Egito, provavelmente, foi alcançada. Isto foi simbolizado pela cena no meio do lado reverso: a simetria dos dois felinos com ameaçadoras cabeças leoninas, indicando que eles estariam lutando se estivessem livres. Mas eles estarão, doravante, mantidos em cheque e incapazes de ferir um ao outro, graças às cordas amarradas ao redor de seus pescoços e detidas pelos dois personagens simétricos. Isso simboliza a unificação, em linha com uma representação característica comum a Egípcios e Pretos em geral.

 Na cena na parte superior, o rei está vestindo a coroa do Baixo Egito, que mostra que ele acabou de o conquistar. A segunda fase da conquista do vale do Nilo é assim terminada pelo Faraó. Ele agora detém em ambas as mãos o que pode ser considerado como os atributos do Baixo e Alto Egito. Aqui, mais uma vez, o rei retirou suas sandálias. estas são carregadas por seu servo quem, carregando o mesmo receptáculo, anda atrás dele como na cena do lado da frente. Podemos, portanto, supor que o local é sagrado e que as vítimas foram imoladas ritualmente, não massacradas.

 Diante do rei estão cinco pessoas, quatro delas seguram bandeiras que ostentar totens. Os dois primeiros - Falcão e Chacal - são claramente do Alto Egito. O último não representa um animal, mas um objeto não identificado, que pode muito bem ser o emblema do Baixo Egito recém conquistado.


Cheikh Anta Diop, A origem Africana da civilização. capítulo 3 A falsificação da história moderna, páginas 155 a 162.

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