A história da humanidade permanecerá confusa enquanto não formos capazes de distinguir entre os dois primeiros berços em que a natureza moldou os instintos, temperamentos, hábitos e conceitos éticos das duas subdivisões antes de elas se encontrarem uma a outra depois de uma longa separação que remonta à tempos pré-históricos.
O primeiro desses berços, como veremos no capítulo sobre a contribuição do Egito, é o vale do Nilo, dos Grandes Lagos até Delta, através do então-chamado Sudão "Anglo-Egípcio". A abundância de recursos vitais, seu caráter agrícola sedentário, as condições específicas do vale, irão engendrar no homem, ou seja, no Negro, uma natureza suave, idealista, pacífica, dotada de um espírito de justiça e alegria. Todas essas virtudes eram mais ou menos indispensável para a convivência diária.
Por causa das exigências da vida agrícola, conceitos tais como matriarcado e totemismo, a mais perfeita organização social, e religião monoteísta nasceram. Estes engendraram outros: assim, a circuncisão resultou do monoteísmo; na verdade, foi realmente a noção de um deus, Amon, criador incriado de tudo o que existe, que levou ao conceito de andrógino. Uma vez que Amon não era criado e uma vez que ele é a origem de toda a criação, houve um momento em que ele estava sozinho. Para a mentalidade arcaica, ele deve ter contido dentro de si todos os princípios masculinos e femininos necessários para a procriação. É por isso que Amon, o deus Negro por excelência do Sudão "Anglo-Egípcio" (Núbia) e todo o resto da África Preta, estava para aparecer na mitologia Sudanesa como andrógino. A crença nessa ontologia hermafrodita produziria a circuncisão e excisão no mundo Preto. Alguém poderia continuar para explicar todas as características básicas da alma e civilização Negras usando as condições materiais do Vale do Nilo, como o ponto de partida.
Por outro lado, a ferocidade da natureza nas estepes da Eurásia, a esterilidade dessas regiões, as circunstâncias gerais de condições materiais, estavam para criar instintos necessários para a sobrevivência em um ambiente como esse. Aqui, a Natureza não deixou nenhuma ilusão de bondade: ela era implacável e não permitida nenhuma negligência; o homem devia obter o pão com o suor de seu rosto. Acima de tudo, no curso de uma longa e dolorosa existência, ele devia aprender a confiar em si mesmo, em suas próprias possibilidades. Ele não podia dar-se ao luxo de acreditar em um Deus benevolente que derramaria abundantes meios de obtenção de meios de subsistência; em vez disso, ele iria evocar divindades maléficas e cruéis, invejosas e rancorosas: Zeus, Yahweh, entre outras.
Na atividade ingrata que o ambiente físico impôs sobre o homem, já estava implícito materialismo, antropomorfismo (que é apenas um de seus aspectos), e o espírito secular. Isto é como o ambiente gradualmente moldou esses instintos nos homens daquela região, os Indo-Europeus em particular. Todas as pessoas da área, sejam brancos ou amarelos, iriam instintivamente amar a conquista, por causa de um desejo de escapar daqueles ambientes hostis. O meio perseguiu-os; eles tiveram que deixá-lo ou sucumbir, tentar conquistar um lugar ao sol em uma natureza mais clemente. As invasões não iriam cessar, uma vez que um contato inicial com o mundo Preto ao sul lhes havia ensinado a existência de uma terra onde a vida era fácil, riquezas abundantes, técnica florescente. Assim, desde 1450 A.C. até Hitler, desde os Bárbaros dos séculos quarto e quinto até Genghis Khan e os Turcos, essas invasões de leste para oeste ou do norte para o sul continuaram ininterruptas.
Homem nessas regiões permaneceu por muito tempo um nômade. Ele era bruto. * [ * - César e Tácito descrevem os selvagens costumes belicosos dos nômades ou semi-nômades Germânicos antes de eles adquirirem um senso de propriedade da terra: "Eles não aplicam-se à agricultura e vivem principalmente de leite, queijo e carne. Ninguém tem um pedaço de terra de sua propriedade com limites fixados; mas a cada ano os magistrados e chefes atribuem a diferentes pequenas tribos e famílias uma certa quantidade de terreno em qualquer distrito que considerem adequado. No ano seguinte, eles são forçados a mudar para outro lugar. Isto eles justificam por vários argumentos: eles temem que a força e atração do hábito possa fazê-los perder o gosto pela guerra e preferirem a agricultura. A maior honra para as cidades é estar rodeada por fronteiras devastadas e vasto deserto. Eles acreditam que a marca da coragem é compelir tribos vizinhas a desertar seu território e ver ninguém se atreve a se estabelecer nas proximidades.
Ao mesmo tempo, eles se sentem mais seguros com nenhumas invasões repentinas a temer. Não há nada de vergonhoso sobre o roubo cometido além das fronteiras da cidade; isso serve, dizem eles, para fornecer exercício para os jovens homens e para diminuir a preguiça." (Caesar, Commentaries, French ed., Bk. 6, Chap. 22, 23.)
"A desgraça mais gritante que pode cair sobre eles, é ter abandonado seu escudo. Suas feridas e injúrias eles carregam para suas mães, ou para suas esposas, nem as suas mães nem as suas esposas são chocadas em dizer, ou em chupar suas feridas sangrando. Enquanto para seus maridos e filhos engajados na batalha, elas administram carne e encorajamento. Muitos da jovem nobreza, quando sua própria comunidade vem a definhar em seu vigor devido a longa paz e inatividade, se agarram através de impaciência a outros Estados que, então, revelam-se estar em guerra. Pois, além deste povo não poder tolerar repouso, além de que por aventuras perigosas eles mais que rapidamente proclamam sua fama, eles não podem, exceto por violência e guerra, suportar o seu enorme comboio de retentores. . . . " (Tacitus, Germany, Harvard Classics, XXXIII, 97-107 passim.)]
O clima frio poderia engendrar a adoração do fogo, a permanecer queimando, desde fogo de Mithras * até a chama no túmulo do Soldado Desconhecido Soldado sob o Arco do Triunfo e as tochas das Olimpíadas antigas e modernas. [ * - Na mitologia Persa, Mitra (Mithras) era o deus da luz e da verdade, posteriormente do sol.]
O nomadismo foi responsável pela cremação: assim, as cinzas de ancestrais poderiam ser transportadas em pequenas urnas. Este costume foi perpetuado pelos Gregos; os Arianos o introduziram à Índia depois de 1450, e isto explica a cremação de César (Caesar) e de Gandhi em nossa própria época.
Obviamente, o homem era o pilar desse tipo de vida. O papel econômico da mulher era muito menos significativo do que em sociedades agrícolas Negras. Conseqüentemente, a família patriarcal nômade foi o único embrião de organização social. O princípio patriarcal iria governar toda a vida dos Indo-Europeus, desde os Gregos e Romanos até o Código Napoleônico, até nossos dias. Foi por isso que a participação da mulher na vida pública iria chegar mais tarde nas sociedades Européias do que nas sociedades Negras. * - Se o oposto parece verdadeiro hoje em certas partes da África Preta, isto pode ser atribuído à influência Islâmica. [* -. "Nossos ancestrais não permitiam às mulheres lidar com qualquer negócio, mesmo doméstico, sem autorização especial.
Eles nunca deixaram de manter a mulher dependente de seus pais, irmãos ou maridos. Quanto a nós, se isto agrada aos deuses, vamos em breve permitir-lhes participar na direção dos assuntos públicos, a freqüentar o Fórum, a ouvir os discursos e a envolver-se nos processos. Liste toda a legislação pela qual nossos ancestrais tentaram refrear a independência das mulheres e mantê-las submissas aos seus maridos; então veja, apesar de todos esses obstáculos legais, quantos problemas nós tivemos em restringindo-as de suas funções. Se você deixá-las quebrar essas restrições, uma após outra, libertar-se de toda a dependência, e colocar-se em pé de igualdade com seus maridos, você acha que será possível para os seus maridos suportá-las? As mulheres irão se tornar nossos iguais não antes do que elas irão nos dominar. " (Livy, Histoire romaine, Bk. 34: "Cato's speech on maintaining the Oppia Law against the luxury of women." 195 B.C.)]
Aqueles dois tipos de conceitos sociais entraram em confronto e foram sobrepostos sobre o Mediterrâneo. Ao longo de toda a época Egéia, a influência Negra precedeu aquela do Indo-Europeu. Todas as populações da periferia do Mediterrâneo na época eram Negras ou Negróides: Egípcios, Fenícios; os Brancos que havia vinham sob a influência econômica e cultural Egipto-Fenícia: Grécia, época dos Beócios; Ásia Menor, Tróia; Hititas, aliados do Egito; Etruscos no norte da Itália, aliados dos Fenícios, com forte influência Egípcia; Gália, entrecruzada por caravanas Fenícias, sob a influência direta do Egito. Esta pressão Negra se estendeu tão longe como certas tribos Germânicas adoraram a Ísis, a deusa Negra:
De fato, inscrições foram encontradas nas quais Isis é associada com a cidade de Noreia; Noreia hoje é Neumarkt na Estíria (Áustria). Isis, Osíris, Serapis, Anubis possuem altares em Fréjus, Nîmes, Arles, Riez (Basses-Alpes), Parizet (Isère), Manduel (Gard), Boulogne (Haute-Garonne), Lyons, Besançon, Langres, Soissons. Isis foi homenageada em Melun . . . nos Castelos de York e de Brougham, e também em Pannonia e Noricum. * [* - Joseph vendryes, Les Religions des Celtes, des Germains et des anciens Slaves. Coll. "Mana", III, 244]
A adoração das "Madonas Pretas" provavelmente começou durante o mesmo período. Esse culto ainda sobrevive na França (Nossa Senhora do Subterrâneo, ou a Madona Preta de Chartres ). Ela manteve-se tão vívida que a Igreja Católica Romana finalmente teve que consagrá-la. * [ * - A intolerância da Igreja durante a Idade Média descarta colocando sua origem nesse período. Relacioná-la com o retorno dos Cruzados seria assumir que aqueles que saíram para lutar contra uma "heresia" trouxeram de volta o outra.]
O próprio nome da capital Francesa pode ser explicado pelo culto de Ísis. "O termo 'Parisii' poderia muito bem significar "Templo de Isis", pois havia uma cidade com esse nome nas margens do Nilo, e o hieróglifo per representa o recinto de um templo no Oise [rio Oise]." * [ * - Pierre Hubac, Carthage. Paris: Ed. Bellenand, 1952, p. 170.]
O autor está se referindo ao fato de que os primeiros habitantes do local atual de Paris, que lutaram contra César, tomaram o nome Parisii, por alguma razão desconhecida hoje.
O culto de Ísis era, evidentemente, bastante difundido na França, especialmente na bacia Parisiense; templos de Isis, no linguajar Ocidental, estavam por toda parte. Mas seria mais exato dizer "Casas de Isis", pois em Egípcio esse então-chamados templos eram chamados de Per, o significado exato do que, no antigo Egito bem como no Wolof atual, é: o recinto em torno da casa. O nome "Paris" poderia ter resultado da justaposição de Per-Isis, uma palavra que designou certas cidades no Egito, como observa Hubac (citando Maspero).
Conformemente, a raiz do nome da capital da França poderia ser derivada basicamente do Wolof. Isto indicaria em que medida a situação se inverteu.
Outras características culturais comuns existem entre o Ocidente e a África Preta:
Ker = casa, em Egípcio, Wolof, e Bretão;
Dang = tenso, em Wolof e Irlandês;
Dun = ilha, em Wolof = fechado, lugar isolado (em terra), em Celta e Irlandês, de onde temos nomes para cidades como Ver-Dun, Château-Dun, Lug-Dun-Um (Lyons), e assim por diante.
Seria igualmente esclarecedor estudar as relações entre as trocas de consoantes nas línguas da Bretanha e da África.
A esta mesma influência nós devemos atribuir a existência do deus Ani entre os Irlandeses e Etruscos. O impacto Egipto-Fenício sobre os Etruscos é bastante claro, como é sobre os Sabinos, cujo nome e costumes sugerem civilizações Negras do sul.
A distinção feita entre os dois berços da civilização nos permite evitar toda a confusão e mistério sobre as origens dos povos que se encontraram na península Italiana. Os Sabinos e Etruscos enterravam seus mortos. Os Etruscos conheciam e utilizavam o sarcófago Egípcio. Estas populações eram agrícolas; sua vida era governada pelo sistema matriarcal. Os Etruscos trouxeram todos os elementos da civilização Egípcia para a península Italiana: agricultura, religião, artes, incluindo a arte de divinação. Quando eles destruíram os Etruscos, os Romanos assimilaram a substância daquela civilização, embora eliminando os aspectos mais alheios à sua concepção patriarcal Eurasiana. Desta forma, após o período de transição dos Tarquínios, os últimos reis Etruscos, o sistema matriarcal Preto foi completamente rejeitado.
O fim de um mundo antigo, o início do novo! A cultura Preta, em suas formas mais estrangeiras para as concepções da Eurásia, foi expulsa da bacia do norte do Mediterrâneo. Ela não iria sobreviver, exceto como um substrato entre as jovens tribos que ela tinha introduzido para a civilização. Este substrato foi, todavia, tão resistente que nós podemos determinar até hoje o quão longe ele estendeu-se. A tudo isto nós podemos acrescentar que a loba romana recorda a prática Negra do sul, do totemismo, e que Sabina parece conter a raiz de Saba (Sabá) [Sheba].
Conseqüentemente, se fosse desejado, a história da humanidade poderia ser bastante lúcida. Apesar dos repetidos atos de vandalismo dos dias de Cambyses, através dos Romanos, dos Cristãos do sexto século no Egito, dos Vândalos, etc., ainda temos suficientes documentos restantes para escrever uma nítida história do homem. O Ocidente hoje está plenamente consciente disso, mas ele não tem a coragem intelectual e moral necessária, e é por isso que livros didáticos são deliberadamente confusos. Então, isto recai sobre nós, Africanos, para reescrever toda a história da humanidade para a nossa própria edificação e a dos outros.
Cheikh Anta Diop, A origem Africana da civilização. capítulo 5 Pode a civilização egípcia ser de origem asiática?, páginas 220 a 230.
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