Os argumentos invocados para defender a teoria de que a África Preta foi estabelecida a partir da Oceania por meio do Oceano Índico são destituídos de fundamento. Nenhum fato, arqueológico ou qualquer outro, autoriza-nos neste momento a procurar o habitat original do Negro fora da África. Lendas do Oeste Africano relatam que os Pretos migraram do leste, a partir da região da Grande Água.
Sem qualquer prova suplementar, Delafosse, talvez como hipótese de trabalho, identificou a "Grande Água" com o Oceano Índico. Além disso, o berço da humanidade foi então assumido como estando na Ásia, por causa da descoberta do Pithecanthropus (em Java) e Sinanthropus (na China), e por causa da Bíblia (Adão e Eva). A opinião endureceu em torno desta identificação; por um longo tempo foi esquecido que esta era apenas uma afirmação a priori, e a hipótese foi aceita como um teorema demonstrado.
A partir do que sabemos sobre a arqueologia da África do Sul, onde a humanidade parece ter nascido; a partir do que sabemos sobre a civilização Núbia, provavelmente a mais antiga de todas; a partir do que sabemos sobre a pré-história do Vale do Nilo, podemos legitimamente supor que a "Grande Água" não é outra senão o Nilo. Não importa onde nós coletemos lendas sobre a gênese de um povo Preto Africano, aqueles que ainda se lembram suas origens dizem que vieram do leste e que os seus antepassados encontraram Pigmeus no país. * [ * - A palavra Kondrong, um anão que habita a floresta, com um utensílio de boa sorte em sua cabeça, sugere a memória de coabitação com o Pigmeu em uma área de floresta antes da instalação dos Wolof nas planícies de Cayor-Baol, onde não havia nem florestas nem Pigmeus.]
Lendas Dogon e Iorubá relatam que eles vieram do leste, enquanto que aquelas dos Fang, que tão recentemente quanto o século XIX não tinham ainda atingido a costa do Atlântico, indicam o nordeste. Lendas Bakuba listam o norte como a sua proveniência. Para os povos que vivem ao sul do Nilo, tradições sugerem que eles vieram do norte; isto é verdade para os Batutsi de Ruanda-Burundi. Quando os primeiros marinheiros a chegar à África do Sul desembarcaram no Cabo há vários séculos, os Zulus, após uma migração norte-sul, ainda não tinham atingido a ponta do Cabo.
As Montanhas da Lua ou Montanhas Rwenzori |
Esta hipótese se enquadra com o fato de que as tradições de Pretos no Vale do Nilo mencionam apenas uma origem local. Por toda a Antiguidade, Núbios e Etíopes nunca clamaram qualquer outra, a não ser uma que estava mais ao sul. Isto resume as lendas antigas como relatadas por d'Avezac com uma ironia que não diminui sua importância:
Outros, sonhadores eruditos ou fisiologistas engenhosos, ao invés de procurar o início da história dos Africanos nas tradições agora quase perdidas, têm preferido a procurá-lo em hipóteses arriscadas, e as suas narrações conjunturais apresentam o Negro como o mais velho homem criado, filho da terra e do acaso, nascido nas nevadas Montanhas da Lua (África Central), que mais tarde criou o homem que desceu para o Senar [Sennar] e engendrou os Egípcios e os Árabes e o povo de Atlântida. A raça Preta, por muito tempo a mais numerosa, primeiro subjugou e dominou os Brancos; mas estes últimos, tendo gradualmente se multiplicado, sacudiram o jugo de seus mestres. O ex-escravo, tornando-se mestre, por sua vez, condenou os Pretos a suportar as correntes que ele tinha acabado de quebrar. Séculos se passaram, mas a sua ira ainda não foi aplacada.* [ * - Armand d‟Azevac-Macaya, L‟Afrique ancienne. Paris: Didot, 1842, p. 26.]
Esta lenda comprime a história da humanidade em algumas poucas linhas.*
O que é notável aqui é a origem ao sul dos habitantes do Vale do Nilo, a qual Núbios e Egípcios têm sempre afirmado. O que também se destaca é a remota chegada do Negro no caminho para a civilização e a atual inversão da situação. Ele é o homem desce para o Senar [Sennar] que, sem dúvida, é a planície localizada entre o Nilo Branco e o Nilo Azul, ponto de partida para a civilização Sudanesa Meroítica. Senar [Sennar] é também o nome da planície da Mesopotâmia, semelhantemente entre dois rios: o Tigre e o Eufrates. Qual destas denominações é correta e autêntica? A segunda [o Senar da Mesopotâmia] parece uma réplica do primeiro. A retificação deste erro iria novamente inverter o sentido da história. Se tornaria, então, natural para o Egito ter sido povoado a partir da planície de Senar e a lenda concordaria com a história.
[ * - Edouard Schuré não menos surpreendente relata uma porção dessas lendas sobre remota dominação pelos Pretos: "Após a raça vermelha, a raça preta governou o globo. . . . Os Pretos invadiram o sul da Europa durante os tempos pré-históricos. Sua memória foi completamente apagada de nossas tradições populares. No entanto, eles deixaram marcas indeléveis. . . . Na época da sua dominação, os Pretos tinham centros religiosos no Alto Egito e na Índia. Suas cidades gigantescas ameiaram (fortificaram) as montanhas da África, Caucásia, e da Ásia Central. A sua organização social era uma teocracia absoluta. Os seus sacerdotes possuíam conhecimento profundo, o princípio da unidade divina do universo e o culto das estrelas que se tornou Sabeonismo entre os brancos. . . . uma indústria ativa, especialmente a arte do manejo de massas colossais de pedra por balística e de fundição de metais em fornalhas imensas trabalhadas por prisioneiros de guerra. . . .
"A raça branca tinha apenas acabado de ser despertada pelos ataques da raça preta que começava a invadir o sul da Europa. A princípio, foi massacre. Os brancos, semi-selvagens, deixando suas florestas e cabanas à beira do lago, não tinham outras armas além de seus arcos, lanças e flechas com pontas de pedra. Os Pretos tinham armas de ferro, armadura de bronze, todos os recursos de uma civilização industrial e suas cidades Ciclópicas. Esmagados pela primeira investida, os brancos foram levados para o cativeiro e tornaram-se em massa os escravos dos Pretos, que os obrigaram a trabalhar em pedra e a transportar minério para seus fornos. Prisioneiros que escaparam levaram ao voltar para a pátria as artes e fragmentos da ciência de seus conquistadores. Dos Pretos eles tinham aprendido duas coisas essenciais: a fundição de metais, e escrita sagrada, hieróglifos. O que salvou os Brancos foram as suas florestas, onde, como animais selvagens, eles poderiam se esconder e depois saltar para fora no momento propício.” (Les Grands Inités. Paris, 1908, pp. 6-13.)]
Cheikh Anta Diop, A origem Africana da civilização. capítulo 9 Povoamento de África à partir do Vale do Nilo, páginas 361 a 365.
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