Origem dos Fula


 À primeira vista, pode-se acreditar que os Fula vieram originalmente daquela parte da África Ocidental, onde Mouros Semitas e Pretos permaneceram por muito tempo em contato (Delafosse, The Negroes of Africa). Embora a hipótese desta miscigenação deva ser aceita, o local inicial onde esta teve lugar deve ser procurado em outro lugar, apesar das aparências.

 Como outras populações do Oeste Africano, os Fula provavelmente vieram do Egito. Esta teoria pode ser suportada por talvez o fato mais importante até à data: a identidade dos dois únicos nomes próprios totêmicos típicos dos Peul com duas noções igualmente típicas de crenças metafísicas Egípcias, o Ka e o Ba. Qual era o papel do Ka e do Ba no antigo Egito? Moret responde a esta pergunta em Le Nil et la civilisation égyptienne [O Nilo e a Civilização Egípcia] (p 212):

O Ka, que unido com o Zet, é um ser divino que vive no céu e só aparece depois da morte. Estávamos errados ao defini-lo, com Maspero, como o duplo do corpo humano, vivendo com ele, mas deixando-o no momento da morte, e sendo restaurado para a múmia pelos ritos Osirianos. A fórmula para a espiritualização do rei mostra que, enquanto Horus purifica o Zet, desmaterializando-o na Bacia do Chacal, ele purifica o Ka em outra bacia, aquela do Cão. . . . Ka e Zet eram separados. . . e nunca tinham vivido juntos na terra. . . . Nos textos do Antigo Império, a expressão "passar para o Ka" significa "morrer". Outros textos especificam que um Ka essencial existe nos céus. Este Ka preside sobre as forças intelectuais e morais da pessoa; ao mesmo tempo, ele purifica a carne, embeleza o nome, e dá vida física e espiritual. . . .

Uma vez que os dois elementos sejam unidos, Ka e Zet formam o ser completo que atinge a perfeição. Este ser possui novas propriedades que fazem dele um habitante do céu, chamado Ba (alma?) E Akh (espírito?). A alma (Ba), representada pelo pássaro Ba, com uma cabeça humana, vivia nos céus. . . . Assim que o rei seja acompanhado por seu Ka, ele se torna Ba. . . .

 Importa pouco se a interpretação de Moret sobre o Ka e Ba Egípcios está inteiramente correta ou não. O que é essencial é que essas duas noções desempenham, sem dúvida, um papel na ontologia Egípcia. Ka e Ba são os únicos nomes totêmicos típicos dos Peul. De acordo com o que foi dito acima acerca dos Laobés, acreditamos que os Peul tomaram emprestado deles o nome Sow, que hesitamos em identificar com o terceiro termo Egípcio: Zet. Bari, um outro nome totêmico Peul, é meramente uma combinação de Ba + Ra.

 O quarto termo no texto de Moret, Akh, não corresponde a um nome totêmico, até onde eu sei, mas tem um significado ontológico óbvio em Wolof, ainda hoje. Em Wolof, Akh = aquilo que se é forçado a prestar aos outros no momento do julgamento após a morte, antes de atingir a felicidade eterna. Refere-se a fração da personalidade separada de outra pessoa, direta ou indiretamente, por incursões feitas sobre as possessões dessa pessoa.

Zet, em Egípcio: o cadáver purificado e rígido.

Sed, em Egípcio: morte simbólica do rei envelhecido e seu  rejuvenescimento ritual.

Set, em Wolof: frio, condição do cadáver; como um verbo:  morrer.

Ka, em Egípcio: pode ser resumido como significando a essência de um ser que vive nos céus. Por conseguinte, este é representado por dois braços levantados para o céu. Tem os seguintes significados: alto, acima, grande, padrão, altura. Em Egípcio, Ka seria pronunciado Kao, o que significa: alto, acima, elevado, etc., em Wolof. Ba, em Egípcio: é representado por um pássaro com uma cabeça humana, que mora no céu. Mas Ba, em Egípcio, também designava um pássaro terreno com um pescoço longo. Em Wolof, Ba = avestruz.

Assim, é evidente que essas noções metafísicas Egípcias encontraram destinos diferentes, dependendo dos povos que as transmitiram. Enquanto, em Wolof, o significado Egípcio está preservado, em Peul [Fula], alguns deles, notavelmente Ka e Ba, tornaram-se nomes totêmicos e, por assim dizer, nomes étnicos.

 Nós teríamos que supor que os Peul são uma das numerosas tribos que produziram Faraós no curso da história. Isto também é verdade de tais tribos como os Serer como os Sar, os Sen, e outras. Até a Sexta Dinastia (período da revolução proletária), apenas o faraó tinha o direito à morte Osiriana e, conseqüentemente, gozar plenamente de seu Ka e seu Ba. Vários Faraós portaram esse nome, entre outros, o Rei Ka, da época protodinástica; seu túmulo foi descoberto em Abydos por Amélineau. Isso estaria de acordo com um ramo dos Peul chamado Kara.

 Os outros nomes Fulas, tais como Diallo, são nomes próprios adquiridos posteriormente em outros ambientes. Quanto à língua Fula, ela está naturalmente relacionada com todas as outras línguas do Senegal, em particular, e com as línguas Preto Africanas em geral. A relação entre Peul, Wolof, e Serer e enfatiza a sua unidade básica.

Originalmente, os Peul eram Pretos que depois misturaram-se com um elemento branco estrangeiro do exterior. O nascimento do ramo Fula teria que ser datado no período entre a Décima Oitava Dinastia e o Baixo Egito, um período de considerável miscigenação com o estrangeiro.



Cheikh Anta Diop, A origem Africana da civilização. capítulo 9 Povoamento de África à partir do Vale do Nilo, páginas 383 a 387.

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